O QUE NÃO SABEMOS SOBRE A CORRIDA E AS LESÕES
Décadas se passaram desde que as primeiras pessoas começaram a correr, mesmo que de forma precária, se comparadas às características da corrida nos dias de hoje. As estatísticas de lesões na corrida, porém, passaram a abranger um número cada vez mais amplo de novas ocorrências, com gravidades diferentes.
Ao longo dos últimos 30 anos, apesar do grande desenvolvimento da
indústria de calçados esportivos, as estatísticas de lesões continuaram
elevadas. O empenho no desenvolvimento de calçados específicos, visando a
melhora do rendimento e a prevenção de lesões, parece não ter surtido o
resultado desejado ao longo de algumas décadas. Podemos pensar de forma
simplista em duas hipóteses: ou os tênis de corrida não protegem
efetivamente contra ‘acidentes’ ou não representam grande importância na
geração das lesões na corrida. Sabemos hoje que os programas de
treinamento, o tempo de recuperação e os efeitos gerados na estrutura
musculoesquelética possuem importância maior na origem das lesões.
Aparentemente, os calçados de corrida não representam grande parte desta
equação.
Ainda não sabemos se os calçados construídos até os dias atuais são os
mais adequados para a corrida, mas também desconhecemos os efeitos de
longo prazo para os novos conceitos que surgem diariamente, tais como:
correr com os pés descalços, com calçados minimalistas, ou com
modificações na mecânica das passadas.
Os padrões de aterrissagem e apoio dos pés durante a corrida são
essencialmente determinados por alguns fatores, tais como: a anatomia do
pé e tornozelo, a biomecânica, a superfície de contato, a velocidade da
corrida e os calçados.
A aterrissagem com o toque inicial do antepé (parte anterior do pé)
promove um aumento de algumas forças e diminuição de outras, deslocando a
carga para diferentes estruturas, quando comparado ao padrão de toque
inicial do retropé (parte posterior do pé). De uma maneira geral, um
corredor adota a estratégia de toque inicial do antepé quando desenvolve
uma corrida em alta velocidade e sobre superfícies duras. Por outro
lado, adota a estratégia de toque inicial do retropé geralmente em
corridas de baixa velocidade e sobre superfícies macias.
Não sabemos atualmente se a corrida com os pés descalços modificaria a
estatística das lesões na corrida, como conhecemos hoje. Devemos
considerar que, para conhecermos a estatística de lesões de uma
determinada “forma de corrida”, precisaríamos avaliar sistematicamente
os efeitos de médio e longo prazo de programas de treinamento e
competições e não simplesmente os aspectos subjetivos de poucos
corredores recreacionais. Atualmente somente alguns indivíduos correm
com os pés descalços e não há uma razão óbvia ou tão pouco uma evidência
científica para se fazer esta mudança na forma de correr.
As forças de impacto (ação e reação) existentes na corrida são
importantes para o fortalecimento músculoesquelético em geral e não há
evidências conclusivas de que causem lesões se analisadas isoladamente. A
avaliação sistemática de estudos científicos constatou não haver
diferença significante nas dimensões das forças atuantes entre grupos de
pessoas que sofreram ou não fraturas de estresse nos membros
inferiores.
Muito embora a “pronação excessiva”, assim como a “supinação excessiva”
tenham sido rotuladas como as grandes vilãs na geração de lesões na
corrida, não sabemos ao certo quais parâmetros biomecânicos são
considerados para designarmos, por exemplo, alguém como “hiperpronador” e
não conhecemos evidências científicas de que a “pronação excessiva”
isolada cause lesões.
De forma similar, a indústria de palmilhas tem procurado suprir uma
lacuna na prevenção de lesões, que os tênis deixaram para trás, mas
também encontramos fraca evidência científica de que estas possam
reduzir certos tipos de lesões na corrida.
O item “conforto”, na escolha de um tênis para correr, não é nada fácil
de definir. Conforto se refere a uma combinação de sensações como:
bem-estar, segurança, liberdade de movimentos, ausência de pontos de
maior pressão, leveza, entre outros. Por incrível que possa parecer, o
conforto é provavelmente a variável pessoal mais importante na escolha
de um tênis.
Caro leitor da Corredores S/A, ainda não sabemos responder muitas
perguntas sobre o universo das corridas. Corra, estude e desenvolva seu
senso crítico.
Bons treinos !
Dr. Cristiano Laurino é Mestre em Ortopedia e Traumatologia
pela UNIFESP. Diretor Científico do Comitê de Traumatologia Desportiva
da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT). Membro da
American Academy of Orthopaedic Surgeons (AAOS). Médico do Clube de
Atletismo BM&F/BOVESPA. Diretor Médico da Confederação Brasileira de
Atletismo (CBAt).
fonte: http://www.multiesportes.com.br/?p=4792
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